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BASE DE CÁLCULO DO ISS NOS SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL: REVIRAVOLTA NO STJ

O termo correto é esse mesmo: reviravolta. Faço questão de frisar esse ponto porque muitos operadores do direito têm se referido ao recente julgado do STJ como uma mera reafirmação da jurisprudência.

Nada disso, o que ocorreu foi uma radical mudança de posição do Superior Tribunal de Justiça.

A matéria tem causado muitas discussões e interpretações equivocadas em nosso meio.

Muitos tributaristas têm escrito sobre o tema e divulgado posições que não condizem com a evolução da jurisprudência, como demonstraremos a seguir.

Nada disso, o que ocorreu foi uma radical mudança de posição do Superior Tribunal de Justiça.

A matéria tem causado muitas discussões e interpretações equivocadas em nosso meio.

Muitos tributaristas têm escrito sobre o tema e divulgado posições que não condizem com a evolução da jurisprudência, como demonstraremos a seguir.

Em julho de 2020, o Pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou a decisão monocrática de 2010, chancelando a constitucionalidade das deduções e, mais do que isso, deixou muito claro que cabe ao STJ definir o alcance da expressão “materiais fornecidos pelo prestador”.

Quer dizer: as deduções de materiais são constitucionais. Mas de quais materiais? Isso deve ser respondido pelo STJ.

Ora, mas então o julgamento do STF de 2020, que confirmou a decisão monocrática da ministra Ellen Gracie no RE 603.497/MG, não encerrou a discussão?

Obviamente que não. É justamente aí que reside toda a confusão! Muitos profissionais da área — de modo açodado e equivocado — entenderam e entendem que a decisão recente do Supremo colocou um ponto final na celeuma, o que, no entanto, não se coaduna precisamente com a técnica dos julgados.

O STF, até porque julga a constitucionalidade das leis, apenas disse que a norma do artigo 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 406/68, é constitucional e, portanto, não se inclui na base de cálculo do ISS o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de construção civil.

Agora, a delimitação da expressão “materiais fornecidos”, regra que atualmente se encontra inserida no artigo 7º, §2º, I, da LC nº 116/03, deve ser definida pelo STJ, a quem cabe julgar questões afetas à interpretação de lei federal.

E sabemos que o STJ, desde o ano de 2011, vem admitindo pacificamente a exclusão dos materiais que se incorporam à obra, sejam os produzidos pelo prestador ou mesmo os adquiridos de lojas de materiais de construção.

Como o STF apenas julgou constitucional a norma benéfica para o segmento da construção civil e o STJ continuou firme com o seu entendimento alterado a partir de 2011, só podemos concluir que o julgamento do Pleno do STF em 2020 nada mudou!

Reparem no AgInt no AREsp 1620140/RJ, julgado pelo STJ em outubro de 2020, após a decisão colegiada do STF no RE 603.497/MG. Transcrevo a ementa para não deixar qualquer dúvida na mente dos leitores:

“TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL ISSQN. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DOS MATERIAIS EMPREGADOS PELO PRESTADOR DE SERVIÇO. LEGALIDADE. JURISPRUDÊNCIA SÓLIDA DO STJ. JULGAMENTO DO RE 603.497/MG PELO PLENO DO STF.”

Portanto, o STJ prosseguiu firme com a sua exegese a respeito da possibilidade de dedução de materiais da base de cálculo do ISS da construção civil.

Isso até abril de 2023, quando tivemos uma nova reviravolta da jurisprudência do Colendo STJ!

Essa nova e surpreendente decisão é uma verdadeira “bomba” para o segmento da construção civil! Uma exegese que foi abandonada há 12 anos e que agora é ressuscitada.

Falo do recentíssimo julgado da Primeira Turma do STJ (REsp 1.916.376/RS), do final de abril de 2023, que volta a impedir a dedução de materiais da base de cálculo do ISS da construção civil, restabelecendo a tributação sobre o preço total do serviço.

A ementa dessa decisão, que segue transcrita abaixo, resume bem o que dissemos até agora:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAIS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A valoração jurídica diversa, calcada nos fatos da causa, dada pelo magistrado à atividade empresarial da contribuinte não caracteriza decisão surpresa que justifique a anulação do julgado. 2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Precedentes. 3. O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a ‘possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil’. 4. A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora ministra Diva Malerbi (desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013. 5. Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do artigo 9º, §2º, do DL nº 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema. 7. Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS. 8. Recurso especial desprovido”.

Mas já advirto o leitor: ainda não estamos diante de uma nova pacificação, pois falta o entendimento da 2ª Turma do mesmo STJ.

E não é incomum as turmas divergirem.

Não há, pois, até o momento, consolidação ou pacificação da matéria, como alguns pregam. Temos que ter prudência e responsabilidade. Nesse sentido, vamos acompanhar como se posicionará a Segunda Turma do STJ.

Termino dizendo que toda essa confusão poderia ter sido tranquilamente evitada.

Era só lançar mão da mais simples e óbvia interpretação do Decreto-Lei nº 406/68 e LC nº 116/03. Mas a jurisprudência mais uma vez legislou!

É muito evidente que o artigo 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 406/68, como também o artigo 7º, §2º, I, da LC nº 116/03, veiculam normas de redução de base de cálculo e, portanto, são inconstitucionais frente ao disposto no artigo 150, §6º, da CF. Para a Carta Magna, a concessão de qualquer benefício de tributo municipal só é admitida se prevista em lei municipal específica.

Já as ressalvas contidas entre parênteses nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços cumprem o contido no artigo 146, I, da CF, de cunho meramente declaratório, explicitando que as mercadorias ficam sujeitas ao ICMS.

Escrevi isso na primeira edição do meu livro ISS — Teoria, Prática e Questões Polêmicas e continuo entendendo assim.

Só que as nossas derradeiras instâncias adotaram outras teses.

O STF acolheu a constitucionalidade dos referidos dispositivos veiculados por Lei Complementar nacional. Na visão do “Guardião da Constituição”, não constituem isenções heterônomas, mas sim normas gerais definidoras de base de cálculo do ISS, à luz do que dispõe o artigo 146, III, “a”, da CF.

Por outro lado, o STJ fez uma esdrúxula interpretação da matéria, conjugando a redação do artigo 7º, §2º, I, da LC nº 116/03 com as ressalvas previstas nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços, para afirmar que tais ressalvas restringiram o conceito da expressão “materiais fornecidos” contida no “corpo” da Lei Complementar. Nessa linha, onde se lê material fornecido, entenda mercadoria produzida pelo prestador fora do local da prestação.

A meu ver, trata-se de um entendimento bastante forçado e distante do sentido da norma legal, mas amparado pela jurisprudência ainda não totalmente sedimentada.

Fonte: Conjur (https://www.conjur.com.br/2023-mai-24/francisco-mangieri-base-calculo-iss-servicos-construcao#:~:text=Esta%20Corte%20Superior%20h%C3%A1%20muito,com%20a%20incid%C3%AAncia%20do%20ICMS.)

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