O ENIGMA NO PL 1.087 E A POSSIBILIDADE DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS ACUMULADOS ATÉ O FIM DE 2025 SEM TRIBUTAÇÃO

O cenário tributário brasileiro vive um período de intensa reforma. Em meio a propostas de simplificação do sistema de consumo e reestruturação da tributação sobre a renda, o Projeto de Lei nº 1.087, de 2025 (PL 1.087), surge como um capítulo crucial. Como sabido, este propõe, dentre outras medidas, introduzir a tributação mínima para pessoas físicas de alta renda.

Última atualização: 17/11/2025

O cenário tributário brasileiro vive um período de intensa reforma. Em meio a propostas de simplificação do sistema de consumo e reestruturação da tributação sobre a renda, o Projeto de Lei nº 1.087, de 2025 (PL 1.087), surge como um capítulo crucial. Como sabido, este propõe, dentre outras medidas, introduzir a tributação mínima para pessoas físicas de alta renda.

Neste contexto de profundas transformações, o PL 1.087, dentre outras disposições questionáveis, que não serão aqui tratadas, apresenta uma suposta “benesse”. Mitiga-se os efeitos da nova tributação sobre lucros e dividendos, permitindo que lucros acumulados até o final de 2025 sejam distribuídos sem a incidência da nova tributação, sob “condições”, a saber: a deliberação para a distribuição de tais dividendos deve ocorrer até 31 de dezembro de 2025, e o efetivo pagamento, creditamento ou entrega deve se dar nos exercícios de 2026, 2027 e 2028.

Novamente, sem entrar no mérito de outras questões relevantes, como a evidência de inconstitucionalidade da tributação de “estoque” de lucros antes da vigência da nova legislação tributária, a redação das novas disposições carece de clareza em pontos vitais.

O artigo 6º-A, §3º, da Lei 9.250/1995, em sua redação proposta pelo PL 1.087, passaria a estabelecer que a distribuição de dividendos “deve observar a lei civil e empresarial conforme exigíveis”. Embora essa expressão possa parecer uma mera formalidade, ela introduz uma zona cinzenta de interpretação que não pode ser subestimada. A lei civil e empresarial, notadamente a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) e o Código Civil (Lei nº 10.406/02), estabelece um arcabouço complexo para a distribuição de lucros.

Condições para pagamento de dividendos

A questão central reside em determinar o que exatamente é “exigível” para os propósitos tributários até a data limite de 31 de dezembro de 2025. Isso porque a frase “observada a lei civil e empresarial conforme exigíveis” pode ser interpretada de diversas maneiras, considerando, por exemplo, exigências formais, i.e., o que se espera é apenas o cumprimento das formalidades de deliberação (quórum, registro em livro de atas etc.) e o respeito aos limites legais e estatutários de distribuição (e.g., constituição de reservas, destinação do lucro); exigência de dividendos obrigatórios, significando ser interpretado que apenas a parcela de lucros que seria de distribuição obrigatória pela lei societária (se houver, e caso o estatuto não a dispense) se beneficiaria da isenção, o que seria uma interpretação excessivamente limitadora e sem respaldo claro no texto; ou mesmo o registro da ata de deliberação do órgão societário competente até a mesma data limite, levantando-se, portanto, a dúvida se o mero “deliberar” até 31 de dezembro de 2025 é suficiente, ou se a integralidade do processo societário, incluindo o registro de atas ou outros documentos societários que formalizem a deliberação, também deve estar concluída até a mesma data.

Outro ponto crítico e que potencialmente gerará incertezas reside na redação da condição para o pagamento dos dividendos, conforme previsto no novo §5º do artigo 10 da Lei 9.249/1995, que estabelece que os lucros ou dividendos deverão ser “pagos, creditados ou entregues nos exercícios de 2026, 2027 e 2028″. A dúvida central, e de grande impacto prático para as empresas, é se o uso da conjunção aditiva “e” implica a obrigatoriedade de fracionamento dos valores deliberados entre os três exercícios fiscais (2026, 2027 e 2028), ou se a expressão meramente indica um intervalo de tempo no qual o pagamento integral pode ocorrer em qualquer um desses anos.

Em uma interpretação literal, a frase “nos exercícios de 2026, 2027 e 2028” com a conjunção “e” poderia sugerir uma inclusão simultânea dos três anos no período de validade para o pagamento. No entanto, a interpretação gramatical, por si só, não é conclusiva quanto à obrigatoriedade de fracionamento, ainda que seria preferível, para fins de clareza, a utilização de outras expressões como “até” ou mesmo “ou”.

Desafios operacionais

Sob uma interpretação estrita, entretanto, a qual exigiria o fracionamento dos dividendos em parcelas anuais, a serem pagas em cada um dos exercícios de 2026, 2027 e 2028, estaríamos diante de desafios operacionais e insegurança jurídica palpável, especialmente considerando que, uma vez mandatório, não há qualquer indicativo de qual percentual ou fracionamento a ser adotado.

Pior, toda essa “confusão” sem considerar a possível incompatibilidade legislativa da previsão de deliberação de distribuição de dividendos e o seu efetivo pagamento em exercícios distintos, à margem do que determina a lei das S/A (em regra, pagamento de dividendos no mesmo exercício em que declarados).

Outro ponto de complexidade reside na condição de que a deliberação dos dividendos deve ocorrer até 31 de dezembro de 2025. Tradicionalmente, a deliberação final sobre a distribuição de lucros de um exercício social (por exemplo, 2025) é feita em assembleia geral ordinária que aprova as demonstrações financeiras do exercício findo, o que geralmente acontece nos primeiros meses do ano subsequente.

Planejamento arriscado

Ora, em primeiro lugar, parece evidente que a grande maioria dos contribuintes pessoa jurídica estão aptos a deliberar sobre lucros de 2025 até potencialmente outubro ou mesmo novembro desse ano. Contudo, os lucros de dezembro de 2025 só serão definitivamente apurados e aprovados (naturalmente) em 2026. Isso significa que a deliberação sobre esses lucros de final de ano teria que ser baseada em estimativas ou balanços intermediários, com a aprovação final ocorrendo apenas no exercício seguinte. Ou seja, como deliberar de forma juridicamente segura sobre valores que ainda não foram auditados ou mesmo consolidados, imaginando-se uma assembleia realizada no começo ou até meados do mês? Pior ainda, considerando segmentos que contam justamente com as festas de final de ano para composição importante do seu lucro anual (comércio, para citar um exemplo)? Ou seja, a incerteza sobre o lucro futuro para as deliberações mais próximas de 31 de dezembro de 2025 torna o planejamento extremamente arriscado e, em certo modo, “desigual” entre os contribuintes.

Em segundo lugar, cabe uma ponderação do que significa “deliberar”. É suficiente uma ata de reunião de sócios ou conselho de administração que estabeleça a intenção e o montante a ser distribuído, mesmo que a formalização contábil-financeira final ocorra posteriormente? A falta de sincronia entre a data limite para a deliberação e a prática contábil-societária de apuração e aprovação final de resultados cria um vácuo regulatório.

Em resumo, a análise crítica das disposições do PL 1087 que alteram as Leis nº 9.250/1995 e nº 9.249/1995 revela que a suposta “benesse” de isenção de estoque de lucros está envolta em um manto de incerteza, para além do senso comum.

Nesse cenário, em paralelo às notícias de potencial ajuste de pontos controversos via outros projetos de lei, é indispensável que a Receita Federal atue de forma célere e decisiva. A emissão de uma norma infralegal que esclareça, dentro de sua competência, os pontos controversos do projeto e futura lei, não é apenas desejável, mas absolutamente necessária, sob pena de se criar um (novo) foco de insegurança jurídica na legislação fiscal e catalisador de contencioso tributário.

https://www.conjur.com.br/2025-nov-11/o-enigma-dos-dividendos-no-pl-1-087-e-a-possibilidade-da-distribuicao-dos-lucros-acumulados-ate-o-fim-de-2025-sem-tributacao/?utm_medium=email&utm_campaign=press_clipping_fenacon_-__13_de_novembro_de_2025&utm_source=RD+Station

Marlian

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