O Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) representa uma das transformações mais relevantes do setor imobiliário nas últimas décadas. Criado no bojo da Lei Complementar nº 214/2025, e regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025, o CIB traz a promessa de integrar dados territoriais, urbanísticos, tributários, registrais e notariais em uma única base nacional.
Mas o que isso muda, de fato, para o corretor de imóveis? Mais do que um avanço tecnológico, o CIB impõe uma nova lógica de funcionamento ao mercado. E o profissional que compreende essa transição desde já tem a chance de se posicionar como referência técnica em um cenário que exigirá cada vez mais conhecimento, análise crítica e atuação estratégica.
O que é o CIB? O CIB é um identificador nacional e único de imóveis, urbanos e rurais, criado para substituir a multiplicidade de cadastros isolados (como matrícula do registro de imóveis, número do IPTU, cadastro do INCRA, etc.).
Ele será a referência oficial nos registros públicos e nos documentos de compra e venda, doações, locações, inventários e demais negócios jurídicos envolvendo imóveis.
Além da sua função de identificação, o CIB também passa a ser instrumento oficial de precificação tributária, por meio do chamado valor de referência, previsto no art. 256 da LC nº 214/2025, que será utilizado como parâmetro para apuração dos novos tributos IBS e CBS.
Integração nacional e maior transparência O corretor de imóveis terá à disposição uma base de dados nacionalmente padronizada, acessada por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (SINTER), com maior clareza sobre a situação jurídica, registral e tributária do imóvel. Essa integração reduz o tempo e o custo da due diligence, facilita o acesso a documentos e diminui o risco de fraudes e omissões, especialmente em imóveis com histórico indefinido. Com isso, ganha a segurança jurídica, e o profissional de intermediação terá mais agilidade para atender o cliente com precisão, aumentando sua credibilidade e valor percebido.
Risco de padronização excessiva na precificação Contudo, é preciso estar atento a um aspecto sensível: a definição do valor de referência para fins tributários. Ainda que a LC 214/2025 reconheça, em seu art. 256, § 1º, que o contribuinte poderá impugnar o valor de referência, o próprio modelo de precificação do CIB tende a utilizar critérios padronizados, baseados em m², localização, tipo e padrão da construção. E esse modelo, por mais tecnológico que seja, não é capaz de captar as singularidades de cada imóvel.
Mesmo em um mesmo edifício, podem existir variações significativas de valor: um apartamento em andar alto, com vista permanente e reforma recente pode valer muito mais que outro no térreo, de frente para uma parede e com problemas estruturais. O sistema cadastral, por si só, não alcança essa complexidade.
Quem tem a competência para aferir isso, de forma técnica e ajustada à realidade de mercado, é o corretor de imóveis. Com conhecimento prático, experiência de campo, domínio dos critérios de avaliação e sensibilidade para captar o valor subjetivo que certos atributos imprimem ao imóvel, o corretor é insubstituível no processo de precificação justa, inclusive para fins fiscais.
É por isso que a atuação do corretor de imóveis será ainda mais valorizada nessa nova era: como agente de equilíbrio entre a lógica padronizadora do fisco e a realidade concreta do mercado imobiliário.
O papel do corretor: mais técnico, mais estratégico O CIB impõe novas atribuições ao corretor de imóveis. Ele deverá: • Confirmar a existência do CIB ao captar um imóvel; • Verificar se os dados inseridos no cadastro correspondem à realidade física e jurídica do imóvel; • Identificar possíveis inconsistências ou omissões que possam prejudicar a venda, a avaliação ou a regularidade tributária; • Informar e orientar o cliente quanto à existência de valor de referência fiscal e seus reflexos; • Mediar, quando necessário, discussões sobre o valor real de mercado e o valor cadastral atribuído pelo sistema.
Essas atribuições exigem preparo técnico, atualização constante e capacidade de comunicação clara com o cliente.
Aspectos tributários: o que muda Embora não seja o foco central da atuação do corretor de imóveis, é importante compreender o impacto fiscal do CIB. Ele será adotado como base de cálculo presumida para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá, entre outros, o ITBI, o IPTU e o ISS.
A Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 estabelece que os cartórios de notas e de registro deverão compartilhar eletronicamente todos os dados dos atos praticados, inclusive valores, com o fisco, que poderá confrontar tais dados com o valor de referência do CIB. Isso torna arriscado qualquer tipo de subfaturamento, tanto em contratos de compra e venda quanto em locações. O corretor de imóveis, ao participar desses contratos, deve alertar o cliente sobre os reflexos legais e fiscais da operação, evitando responsabilizações solidárias ou imputações de fraude.
Contudo, é preciso também defender o ponto de vista do mercado: o valor real do imóvel precisa ser respeitado, mesmo quando diverge do parâmetro genérico do CIB.
Para tanto, o corretor de imóveis poderá auxiliar o cliente na elaboração de laudos técnicos de avaliação, com base nas normas da ABNT e nos princípios da avaliação imobiliária, para subsidiar eventual impugnação do valor fiscal.
Conclusão: mais do que nunca, o corretor de imóveis é essencial O Cadastro Imobiliário Brasileiro é, sem dúvida, uma revolução na forma como os imóveis serão identificados, avaliados e controlados no Brasil. Ele trará ganhos de eficiência, segurança e transparência.
Mas, ao mesmo tempo, exige atenção redobrada às limitações técnicas do sistema, especialmente no que tange à precificação automática e padronizada de bens que, por sua natureza, são únicos.
É nesse ponto que o papel do corretor de imóveis se fortalece: como o profissional capaz de traduzir as particularidades de cada imóvel, garantir que a realidade prevaleça sobre a abstração cadastral e, sobretudo, proteger o cliente (comprador, vendedor ou locador) dos riscos de uma interpretação distorcida da realidade imobiliária.
O CIB é o futuro. Mas um futuro que precisa da inteligência, da sensibilidade e da presença ativa do corretor de imóveis.
